aluzeofogo

Oficina de Escrita

O que me deixa de bem com o mundo:

As alturas da paisagem que me abraçam...
O ar da noite húmido de ilusões...
A luz e o fogo de alguma humanidade...
A Oficina de Escrita Criativa é um espaço sem fronteiras, sem limites; é um lugar onde eu consegui juntar e unir vários horizontes que se tinham dispersado no meu interior.
Eu amo as palavras escritas. Elas são para mim como as cores, as pinceladas que um pintor oferece ao Mundo numa tela, num quadro. Estão presentes em tudo o que me rodeia, porque no princípio era o Verbo, a palavra, e através dela podemos construir tudo o que desejamos. A Oficina de E.C. deu-me a oportunidade de criar, de conhecer o sabor das palavras, o cheiro, a cor, a luz e o brilho que uma só frase tem. Aprendi nesse lugar, quase mágico, quase irreal, que a escrita é como um rio que não pára, que não transborda, que não inunda - é água que traz sede...
Descobri que podia escapar, fugir pela janela, agarrado a um livro, pendurado numa página qualquer. Não estava preso, não era um preso...

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Começar de Novo e contar Comigo

Começar de novo é algo que para mim resulta ser muito fácil. Já o contar comigo pode por vezes ser algo bastante difícil, porque este corpo vadio, errante revolta-se contra mim, tentando romper e desatar os laços ou raízes que eventualmente brotam e nascem num qualquer lugar que tenha seduzido o meu espírito e mente, convencendo-os a entrar no grupo dos sedentários.
Descobri que posso começar de novo sempre que eu quiser. Não posso obviamente reescrever a minha história pessoal, isso ainda não é possível, apesar de eu acreditar que a vida de todas as pessoas está invariavelmente semeada de infinitos "começares de novo". Penso que o que acontece com a grande maioria é o simples facto de pensarem que "começar de novo" é o mesmo que escrever uma nova história pessoal, onde os acontecimentos que fazem parte do passado são completamente apagados, como se o "começar de novo" viesse com um kit equipado com uma borracha mágica. Mas seja como for, o meu problema é, e sempre foi, o "contar comigo".
Como muito bem dizem os ingleses, "Onde quer que eu pouse o meu chapéu, aí é a minha casa". É o que tenho feito, embora raramente use chapéu... Já comecei de novo uma nova vida, um sonho novo, em muitos lugares, alguns dos quais tão inóspitos que muito dificilmente poderiam sustentar a sobrevivência de qualquer forma de vida.
O que ocorre é que o corpo, esta nau que me leva como passageiro, é extraordinariamente difícil de contentar. Não se deixa subjugar por promessas, nem por votos ou por amores; nem mesmo os tempestuosos ventos do destino conseguem mudar-lhe o rumo. Consegui no entanto, ao longo destes anos em que o tenho habitado, estabelecer uma espécie de pacto, no qual ambos lucramos de algum modo. Por um lado, ele, o corpo, permite-me ficar o tempo suficiente num lugar eleito, para começar algo e ver o germinar dessa nova forma de estar na vida e, por outro lado, eu, o passageiro, aceito a necessidade de sair, de ir, de viajar, que este corpo tem, sem lhe oferecer resistência.
É assim que tenho vivido, transportando comigo um sem número de novos começos, tentando manter o equilíbrio justo e necessário para, mesmo que por pouco tempo, eu possa contar comigo.

Ponto de partida: Começar de novo, José Eduardo Agualusa, pública, Maio 2007 + Começar denovo, Ivan Lins.

domingo, 27 de julho de 2008

Da janela do quarto...


Penso confessar pensamentos a quem os ouve da janela do quarto

para a cama desfeita de nós os dois rebolados no chão

sem tocar o ar que cheira a noite e a estrelas e a luz

a luz do teu corpo do teu olhar a brilhar no desejo

que torna aurora o vermelho escuro dos lábios que dançam sombras

de sons sobre nós de corpos leves quase etéreos quase nada

do nada que se faz todo no vai e vem sussurrado da respiração

que prende os sentidos e os ata à pedra âncora das mãos

e mais, mais, mais, muito mais do que eu quando me tocas e despertas

do doce letargo partes de mim que esqueci abandonadas no fundo

deste saco de pele ardente que dá e te recebe sem código postal

sem endereço possível morada eterna do fogo que arde em ti e em mim

de cima abaixo de trás e de frente de lado de todos os lados

de todas as ondas que impetuosas de prazer se esmagam uma

após outra contra nós deixando-nos maré e praia

até que o caminho de carne suada serpenteia pelo alto

e se faz estreito de espasmos e vibrações e explode

uma e outra vez até à exaustão deixando-nos lá onde estávamos

antes mesmo de chegarmos a ser de mão na mão e olhar

sustentado na respiração que fala sem dizer nada que sim

que foi a primeira de todas as vezes que agora já só nos resta

esperar que de novo seja um de nós a pensar confessar pensamentos

a quem os ouve da janela do quarto para a cama ainda desfeita de nós os dois

E as asas voltaram a crescer...



Perguntava-se se o tempo se perdeu, esquecido

no seu interior, nos becos e covas onde dormes sem sonhar.

Prisioneiro de um feitiço, profecia que gotejou em

mel da boca de uma Mulher... As correntes

romper-se-ão, o abismo encher-se-á com o eco do

grito "Liberdade", e então tocará o infinito, banhar-se-á

na eternidade, colherá o Amor e beberá de um

cálice chamado desejo o que homem algum poderia experimentar.


As asas que o ensinaram a voar

voltaram a crescer, o vento voltará a falar-lhe.

De novo sentirá o seu abraço sustentando-lhe a Alma.

A luz da noite virá nua e brindá-lo-á

com enigmas e mistérios que desvendará ao entrar nela

e acreditará em viver e em existir;

subirá, escalando pelas escarpas do medo, e

lá no mais alto de um corpo de Mulher,

levantará por fim o olhar, estandarte do que

É, e verá mais longe e mais além do impossível.

Só então se irá, partirá sem pintar o silêncio,

levando um quadro como memória, gravado no

gemido de noites de prazer, na ténue luz de

uma vela que lambeu dois seres que se amavam

e misturavam numa coreografia orgásmica,

dança redonda e cálida de mãos que se

perdiam embriagadas ao tocar um Anjo

que é Mulher, Menina, Senhora e Magia e Poder

de ser... Devagar, tão devagar que o tempo

não se conta, será matéria, esculpida com

palavras, e já não será restolho de homem,

não será pasto da carnívora solidão,

porque dentro, no seu interior, nas covas e becos

onde dormia sem sonhar, leva velado um

nome que o faz imortal.

O teu toque... Anjo...

Chamou-a e veio, Anjo é e está.

No cume de uma Montanha, no Abismo

do nada ser, confusão engarrafada

num perfume de Mulher...

11-2-08

Com Maria

“Não se trata de uma pequena aguarela, compreendem? É uma janela aberta sobre a minha infância. De cada vez que olho para ela vejo cenários diferentes. Imagens que o pintor não viu...”

Faíza Hayat, crónicas


Ainda que seja quase impossível descobrir a sensibilidade feminina que deu calor ao carvão desenhado, no primeiro momento em que vi esta “pequena aguarela”, senti que a autora me quis fazer cúmplice dos traços leves e fortes que compõem a melodia calada no azul do céu e da água, como se fora prisioneira do tempo que se faz eterno ao escorrer-se pelo horizonte.

Aceito essa cumplicidade, tomo-a como um desafio, e dentro de mim escuto um silêncio de mãos dadas com um sorriso que corre e salta à medida que olho a “pequena aguarela”, e me abandono, sentado lado a lado com Maria, a autora, enquanto ela vê o que eu não posso ver, e eu olho, espreitando por detrás do que ela não pintou. Posso escutar a água fluindo por debaixo da ponte, acariciando de forma envolvente e redonda as pedras, respiro o ar puro e fresco, que borboleteia com os salgueiros, e Maria, baixinho, pergunta-me se eu consigo escutar a música que está presa no quadro; à espera de quem a possa ouvir.

(Oficina de Escrita Criativa, Fevereiro de 2008)

A que cheira a palavra mais odiada?

GLOBALIZAÇÃO

(O cheiro de um multiplicado por todos)
Seriam braços sem cor, uniformes.
O som sem diferenças de tom.
Se se perdesse à noite, não a deixava voltar para casa.
Se fosse bebida não, é bebida hoje em dia e legalizada.
O quarto dos fundos, no caixote do lixo mais esquecido possível.
Namora a estupidez e a falsidade e é adúltera com a política.
Fugiram para outro planeta, seco, desértico, sem vida, nem cultura, nem vontade própria.
A palavra vê a miséria que vai deixando no seu rasto.
O momento do dia mais importante para esta palavra
é quando o homem se esquece dela...

A formiga

Siga cantando

Já observou a atitude dos pássaros ante as adversidades?
Ficam dias e dias a fazer o seu ninho, recolhendo materiais, às vezes trazidos de locais distantes... E quando ele já está pronto e estão preparados para pôr os ovos, as inclemências do tempo ou a acção do seu humano ou de algum animal destrói o que com tanto esforço se conseguiu...
Acha que ele desiste? De maneira nenhuma. Começa uma outra vez até que no ninho apareçam os primeiros ovos.
Muitas vezes, antes que nasçam os filhotes, um animal, uma criança, uma tormenta volta a destruir o ninho, mas agora com o seu precioso conteúdo...
Dói recomeçar do zero... Mas ainda assim o pássaro jamais emudece, nem retrocede, continua a cantare a construir, a construir e a cantar...

Já sentiu que a sua vida, o seu trabalho, a sua família, os seus amigos não são o que sonhou? Tem vontade de dizer "Basta! Não vale a pena o esforço, isto é demasiado para mim!"?
Está cansado de recomeçar, do desgaste da luta diária, da confiança traída, das metas não alcançadas quando estava a ponto de conseguir?

Mesmo que a vida o golpeie mais uma vez, não se entregue nunca. Faça uma oração, ponha a sua esperança na frente e avance. Não se preocupe se for ferido na batalha, é de esperar que algo do género aconteça. Junte os pedaçõs da sua esperança, assuma-a de novo e volte a ir em frente!
Não importe tudo aquilo por que venha a passar. Não desanime, siga adiante. A vida é um desafio constante, mas vale a pena aceitá-lo. E, sobretudo... NUNCA DEIXE DE CANTAR!

Autor desconhecido
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Observando outro animal...

A FORMIGA


Foi ao entardecer que decidi parar. Estacionei então este corpo de encontro a uma rocha que, por acção e teimosia do Sol, estava morna, como se esta massa amorfa tivesse ganho vida. Olhava o Mundo à minha volta, distraindo o meu olhar com a paleta de cores que vestia toda a natureza, quando a ouvi.
Ao princípio
era uma vozita fraca, como um lamento, aqueles “ais” que se nos escapam quando arreamos do viver as cargas que se vão acumulando. E a vozita foi ganhando mais volume, até chegar a um tom de raiva. Estranho, pensei, quem é que fala assim?.

Guiado pelo som, vi que do outro lado da rocha, quente e viva que me servia de sofá, estava uma formiga, andando em círculos, como se quisesse agarrar-se e ela própria. Deu-me vontade de rir. Pequenita como era, gesticulando ferozmente e soltando um:

- Não posso mais!, girando e girando detrás de si mesma.

Convenhamos que era caso para rir.

Mas não foi o que fiz. Controlando esta faceta tão própria da nossa tão querida e arrogante humanidade, cumprimentei a formiguita:

- Olá, boa tarde – disse-lhe eu.

E ali ficou, de repente imóvel, olhando-me, como se se lhe houvesse acabado a corda de um mecanismo invisível.

- Olá – respondeu-me secamente.

E lá seguiu com o seu bailar à volta do nada.

- Formiguita que gira e gira – pensei – então, perdeste alguma coisa? – perguntei-lhe, tentando fazer com que ela deixasse de andar às voltas, porque a mim, de vê-la, quase me punha tonto.

- Não, não perdi nada... antes fosse... – disse-me ela.

Ela não, que por acaso era um ele. Chamava-se Ricardo, mas, como em português não existe um formigo, Ricardo fica-se formiga, que até está bem. Eu fiquei a saber, após uma longa conversa, que o problema da formiga Ricardo é o mesmo de milhares e milhares delas. Estão fartas de que as vejam como um exemplo! Pobrezinhas, sempre atarefadas, sempre a trabalharem, de noite e de dia, sem pararem, sem férias, nem fins-de-semana, nem dias santos. Não têm nem sindicato nem ninguém que proteja os seus interesses. É verdade, Ricardo está cansado (ou direi cansada?) de ser escravo (ou escrava).

Fevereiro 2008

Num outro lugar

Num outro lugar

um restolho de um homem

que já não é.


Vive uma montagem

grotesca

produto da secura humana.


Nas asas da indiferença

tem assomos de curiosidade

pela comunhão dos outros

pela cumplicidade das gentes

que formam redes.


Formas difusas

quase vestidas de humanidade

giram num carrossel

com o nome de um povo.


Prisão.


Ao longe ouvem-se rumores

deste corpo que já foi vida

e que insistem em tornar

deserto.

(Oficina de Escrita, Fevereiro de 2008)

Acerca de mim

Devo desde já esclarecer que não sou eu o gestor do blogue. Não posso. Não tenho acesso directo à Net. Estou preso há um ano (fez em Junho). Embora fisicamente preso, na minha cabeça, nunca me senti tão livre... Como é que me evado? Através da arte, do desenho, da pintura, da leitura e da escrita. Na pintura, tento encontrar um estilo próprio. Para já, bebo em algumas fontes: Modigliani e Dali, essencialmente. Também tenho um fascínio por Da Vinci, sobretudo enquanto ocultista. Adoro ler sobre exoterismo e filosofia do século XX. Aqui onde me encontro vim encontrar uma Oficina de Escrita, que frequento regularmente todas as semanas. Lá em cima, já disse o que penso desta actividade - um espaço de luz dentro da escuridão do cárcere...

27 de Julho 2008